APENAS
UM OLHAR SOBRE O LIVRO CONTOS DE ESCURIDÃO E RUTILÂNCIA
"
O passado é indestrutível. Cedo ou tarde as coisas sempre retornam. E uma coisa
que sempre retorna é esse projeto de destruir o passado".
Jorge
Luís Borges
Era
primavera, era o primeiro dia da primavera, não deveria ser, mas naquele tempo
e naquele lugar era (...). Com essa frase enigmática, João Andrade inicia todos
os contos do livro CONTOS DE ESCURIDÃO E
RUTILÂNCIA, seguindo com uma afirmativa de que não era para ser, mas
naquele canto e naquele lugar, sempre era. Dessa forma o autor passa para quem
está lendo o texto a responsabilidade de definir o tempo e o espaço no qual a
narrativa do texto (história) ocorre, o que no meu entender é uma ótima sacada,
já que me permite brincar um pouco com a história e ser até um pouco autor da
mesma. E não satisfeito com isso, João não dá nome a seus personagens, esses na
verdade, durante toda narrativa, são tratados por pronomes como ele, ela e assim sucessivamente, o que
também nos permite brincar e assumirmos pra nós o lugar desses personagens e
transitarmos numa deliciosa história de realismo fantástico e criaturas
demoníacas, com pessoas que querem virar árvores, sacerdotes que colocam em
dúvida sua fé, cenários de guerra com destruições em massa, viagens pelo
inferno e um retorno sempre fantástico ao recomeço das vidas. Daí a primavera como marcação do tempo no
início de cada conto para nos chamar atenção. Isso parece proposital no autor,
lembrar que a beleza da vida se encontra nesse ciclo infinito de acasos e
renascimentos.
Uma
das cenas do livro que me chamou atenção foi a de uma criatura fantástica,
imensa, demoníaca, porém com formas sedutoras de mulher, copulando
magnificamente com um dos personagens. Não colocarei a página, nem tão pouco descreverei
a minúcia de detalhes, que é justamente para que você tenha o direito de tirar
suas próprias conclusões quando for saborear a aventura tão bem escrita por
João Andrade.
Certa vez, conversando com Ozany
Gomes, Presidente da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do Rio Grande do Norte
- SPVA/RN, ela me disse a seguinte frase: “Li um livro de poemas certo dia e
gostei de todos os poemas”, isso obviamente mexeu com meus brios, com minha
vaidade, me deixando chateado. Porra! Não é o meu livro, pois ela já havia me
dito que tinha gostado de alguns dos meus poemas. Então perguntei de quem era o
livro, e ela respondeu: de João Andrade! No mesmo dia dessa conversa, cheguei
em casa, peguei o livro e li atentamente, um a um, todos os poemas e no final,
tive que concordar com Ozany. De uma forma inexplicável, amei todos os poemas
do livro de João Andrade e ainda fiquei pensando assim: esse cara é um poeta, e
dos bons!
E foi com essa referência, do
João Andrade poeta, que fui para a leitura do seu livro CONTOS DE ESCURIDÃO E
RUTILÂNCIA, da CJA Edições, onde ele trabalha o realismo
fantástico, estilo de escrita cuja minhas principais referências eram Gabriel
Garcia Marques e Júnior Dalberto. O primeiro é autor do livro CEM ANOS DE SOLIDÃO, livro que li ainda
na minha adolescência e o segundo, autor de PIPA
VOADA SOBRE BRANCAS DUNAS, livro que li há pouco tempo, mas que é,
certamente, o livro que mais interviu na minha vida até o momento. Tanto Júnior Dalberto como Garcia Marques,
escreveram outros livros, os quais eu também já li e amei, mas citei apenas
esses para ilustrar a grandiosidade dos dois autores.
E
voltando para João Andrade, acrescento que esse agora também faz parte do meu
panteão de grandes autores.
Se voltarmos ao começo desse texto,
perceberemos que o passado é indestrutível, cedo ou trade as coisas sempre
retornam, como diz Jorge Luís Borges, e será na saga de destruir o passado que
os personagens de João Andrade, estarão sempre renascendo em infinitas
primaveras, em Contos de Escuridão e
Rutilância. E eu
não sei o que você está fazendo aí que ainda não foi atrás desse livro para
ler.
Claudio
Wagner
Poeta,
professor historiador, Cientista das Religiões, 1º Secretário da SPVA/RN e
autor do livro Entre a Sombra da Razão e
a Razão da Sombra.
Referências
ANDRADE,
João. Contos de escuridão e rutilância. Natal-RN: CJA Edições,2017.
BORGES, Jorge
Luis.. O Escritor argentino e a tradição. Obras Completas. Rio: Globo,2000.
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