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quarta-feira, 11 de julho de 2018

Resenha Poética com Cláudio Wagner: “O espetáculo do mundo” de Angelo Girotto.


UM PRESENTE EM 2015

A verdade é um castelo que construímos para satisfazer nossas vontades”
Paul Veyne


            De quando eu tinha 15 anos de idade e estudava na Escola Estadual Isabel Gondim, no bairro da Rocas, lembro-me de uma conversa que tive com minha professora de redação, que foi mais ou menos assim: “Ei, professora, o que é uma resenha? Já que a senhora está falando que na aula de hoje teremos que fazer uma.” Ela, antes de responder, disse: “Já sei que você não veio na última aula”. “Claro que não, tava na praia”. “Você não se cansa da praia?” “Claro que não, mas canso com facilidade da escola.” Se soubesse mesmo as consequências disso, ou nunca teria faltado, ou jamais teria voltado lá na escola.
             Mas, a professora, mesmo sabendo que esse que agora escreve tinha faltado a aula, respondeu assim à minha pergunta: “Uma resenha é um texto escrito de forma que nele possamos apresentar uma crítica ou pensamento que um autor(a) apresentou em um livro, ou sobre um filme, ou uma peça de teatro. Enfim, é um recurso pelo qual podemos apresentar para outras pessoas nosso ponto de vista sobre determinado tema (assunto). De pronto, eu disse: “Ah! Basta falar mal de uma dessas obras e pronto?”. A professora, que já estava perdendo a paciência, mas que mantinha a elegância que sempre foi sua característica, disse: “Se você viesse mais às aulas e deixasse um pouco a praia, certamente saberia que críticas podem ser tanto construtivas, ou seja, podem levantar aspectos bons, como podem ser destrutivas, apontando aspectos ruins. Isso vai da forma como você se posicionará sobre a obra que irá resenhar”.
            Quase trinta anos depois, estou me incumbindo de escrever uma resenha e mensurando o que perdi naquelas aulas. Com um pouco de medo das mil e uma teorias sobre a língua portuguesa e da mãe do meu filho, que é uma professora de português das melhores e que, se eu vacilar no uso das palavras, arranca meu pescoço.
               Deixando o medo de lado, hoje apresento a obra “O espetáculo do mundo”, novela de Angelo Girotto.
            Bem, se você quer saber o que é uma novela e pensa que essas linhas irão lhe explicar, logo lhe advirto, não é esse o meu objetivo, mas sim, explicar como a ponte aérea Curitiba-Natal nos presenteou um personagem, Antônio Block e seus muitos dilemas, como Angelo Girotto, esse fazedor de textos, deu para o personagem, como cenário de atuação, o mundo em toda sua espetacularidade.
Lembre-se que uma leitura é, ou deveria ser, uma interpretação pessoal e que os pontos que serão abordados aqui sobre o livro “O espetáculo do mundo, são escolhas que fiz. Você poderá fazer outras, mas aqui estarei apresentando que, o que o autor nos dá, torna sua obra um presente, o que seu personagem nos proporcionará, ressignificará nossas vidas, tirará nossos medos e, quem sabe, até nos acrescentará outros.
Block, bem que poderia ser uma pessoa como as outras, poderia ter crescido, aceitado sua existência sem questioná-la. Poderia até mesmo só se casar, ter filho, um contracheque, conta no banco e contas para pagar em todos os seus vencimentos. Porém, que graça teria isso? Seria Angelo Girotto tão ingênuo a ponto de nos deixar de herança alguém comum? Claro que não.
             De Antônio Block, só sabemos um pouco da infância, já que no livro ela só é acionada, permitindo a quem o ler, em poucas passagens, visualizar seu percurso até a adolescência, em Curitiba. Ele um dia foi criança, morou no Mato Grosso do Sul, brincou com o perigo no momento que quase pegou numa cobra, mas a mãe o impediu. Nessa mesma infância, o pai é apresentado como um sujeito bruto, que no lugar de carinho preferiu nunca deixar faltar comida para o filho, deduzo. Block, teve avós, teve primos, primas, mas esses personagens surgem na narrativa apenas para alertar que seu nascimento não foi divino. Mas, garanto que quando você ler o livro “O espetáculo do mundo”, vai achá-lo divino. Se você for do tipo religioso, é bem provável que perceba ali um “mito” fundante para uma comunidade exotérica, que você encontre sua própria “Gênesis”, que você queira ser o Antônio Block.
            O personagem bem poderia ser homem, ou mulher, poderia ser a menina que hoje em Recife-PE, trabalha sério com pilates. Poderia ser a outra, que chutou o mestrado em letras, que têm mil empregos, que faz direito na UERN. Poderia ser o cara que nos anos 1994, brincava de ser aprovado em vestibulares, que passou por engenharia civil, arquitetura, que foi para Brasília com seu amor adolescente e que hoje está, dizem, terminando direito na UERN. Block, também poderia ser o cara certinho, vegano, que aceitou uma frase do BBB: “Quanto mais conheço o ser humano, mais adoro meus cachorros”. Cara esse que é técnico em segurança de uma empresa de petróleo, ou ainda, o que já foi professor e hoje é advogado, e que quando lê um livro, sempre deixa sua marca. Poderia ser policial, professor, das letras e assessor parlamentar. Mas não. Block é tudo isso e muito mais. Vamos a um dos seus pensamentos, genialmente descrito no livro, que é assim:
            “ A morte chegará para todos, pensou, e não há nenhuma diferença se ela chegar hoje ou amanhã. Um dia, tudo o que fomos, nossas memórias e pulsões, nossas relações e trajetórias, tudo estará acabado, esquecido e definitivamente disperso no tempo, o que quer que o tempo seja, ilusão ou movimento. As estrelas morrerão e o Universo chegará ao Fim, Block.” (GIROTTO, 2015, p.18).
             Esse pensamento do Block e suas indagações a respeito de sua finitude, sobre o que é o tempo, feitas de forma retórica, não é bem parecido com as indagações que a humanidade e os filósofos fazem a milênios sobre o De onde? Para onde? Ou para quê? Até poderíamos aceitar as coisas assim, mas não, pois o personagem dá a sua própria resposta. Ele diz que o fim é dispersão, que mesmo a morte individual é inevitável, é também a morte de tudo. É a morte do Universo e de tudo nele contido.
             E aprofundemos ainda mais nossa reflexão a respeito desse trecho do pensamento do Block, mas recorrendo a Carl Gustav Jung, no livro “ Memórias, sonhos, reflexões”, no qual o autor assim vai se posicionar: 
             Infelizmente, o lado mítico do homem encontra-se hoje frequentemente frustrado. O homem não sabe mais fabular. E com isso perde muito, pois é importante e salutar falar sobre aquilo que o espírito não pode apreender, tal como uma boa história de fantasmas, ao pé de uma lareira e fumando cachimbo. O que significa “na realidade” os mitos ou as histórias de uma sobrevida, ou qual a realidade aí se dissimula, certamente não sabemos. Não podemos estabelecer se têm qualquer justificativa além do seu indubitável valor de projeção antropomórfica. É preciso claramente consentir que não existe nenhuma possibilidade de chegar-se a uma certeza nesse assuntos que ultrapassam nossa compreensão (JUNG, p. 29-30).”
             O Block, corrobora com Jung, pois ele entende essa frustração em que frequentemente o lado mítico do homem se encontra imerso e que Jung denunciou magistralmente. Porém, ele busca se distanciar dela em seu pensamento e dá sua resposta para a vida póstuma. No caso do nosso personagem essa seria a dispersão. Em muitas das passagens do livro “O espetáculo do mundo”, Antônio Block conversa com seus amigos sobre toda essa sua busca de um sentido para a vida e suas formulações sobre morte-vida e seus significados sempre estão presentes. Eles discutem sobre política, religião, terrorismo, Universo, subverso e as muitas incertezas teóricas e metodológicas que essas questão trazem em si. Conversas que eles embasam discutindo desde “O princípio da incerteza”, de Heiseberg, ao Gato de Schródinger e Einstein, entre outros grandes pensadores e cientistas da humanidade. Isso tudo buscando uma explicação sobre a vida, seu significado e valia. E sobre como devemos atuar no espetáculo do mundo, já que somos espectadores e personagens atuantes ao mesmo tempo. E mesmo que todas essas discussões não sejam suficientes para responder as perguntas do no jovem Antônio Block, professor de biotologia, em cursinho Pré-vestibular, em Curitiba, mas que depois vem fazer concurso público, em Natal, para poder, quem sabe, se realizar pagando contas e, com essas pagas, ter uma vida feliz e significativa. Isso você poderá observar no livro e comprovar se o que escrevo sobre Antônio Block é verdadeiro ou não.
                Mas, deixemos a biografia do Block para trás e voltamos a nos ater em apresentar o livro “O espetáculo do Mundo”. Angelo Girotto, como um bom fazedor de textos que é, não deixaria linhas soltas, não deixaria que a gente se perdesse, nem muito menos que não pudéssemos, mesmo que de forma superficial, confirmar a genialidade do Antônio Block nas muitas maneiras que ele responde como deve ser a vida nossa de cada dia.
            Já que sobre a morte nossa de todo dia ela também já falou, vamos a outra passagem do livro: “As pessoas têm seu próprio caminho a percorrer, cada um, apenas cada um é capaz de resolver seus problemas e apenas os seus: Isto, com e sem variações” (GIROTTO, p.47). O que há de genial nisso? Já que é obvio que cada um e só cada um é que pode resolver seus próprios problemas. No meu entender, é que esperamos que um personagem nos diga isso. Esse personagem pode receber variados nomes, em variadas culturas, pode ser um deus nas religião, pode ser um grande estadista na política, pode ser um grande analista na psicanálise ou algo assim. Desde que nos diga com uma autoridade de fora. E o Block é essa autoridade.
             Campo bem perigoso e movediço esse que me coloquei no último parágrafo, já que pus política e religião em linhas tão próximas e ainda afirmei que precisamos de algo que vem de fora para apontar que caminhos devemos seguir. Bem, mas é assim que o Block vai estar durante todo o seu percurso, fazendo do início ao fim do “Espetáculo do Mundo”, a atuação do personagem sempre bem dada em cada ação. Vai carregando ele em busca dessa autoridade que já possui e da qual Angelo Giroto se utilizará para o desfecho de sua novela.
             O Presente em 2015 quem nos dá é Angelo Girotto, com seu livro “O espetáculo do mundo”. Sei que você está aí se perguntando: “só poucos trechos e o Cláudio já fez tantos comentários a respeito do livro? ” Respondo: ele está nas livrarias, sugiro que compre e leve-o para casa e leia-o do início ao fim. Comece pelas orelhas – busque entender dali quem é o Angelo, quem é o ilustrador do livro. Deguste cada ilustração, busque as surpresas do desenrolar da história, tente fazer a ponte entre a dedicatória feita pelo autor e o personagem e outros que não estão no livro, mas que aqui eu os coloquei. E por fim, você compreenderá porque o mundo é um espetáculo e você é o único capaz de escrever o roteiro para sua atuação nele, o mundo. Então perceberás porque o livro é um presente.
             E por último, sorria, se também conseguir compreender a ligação entre o que diz Henri Bergson, nesse trecho do seu ensaio sobre o significado do cômico: feito no livro O Riso: “Chamamos a atenção para isto: não há comicidade fora do que é propriamente humano. Uma paisagem poderá ser bela, graciosa, sublime, insignificante ou feia, porém jamais risível. Riremos de um animal, mas porque teremos surpreendido nele uma atitude de homem ou certa expressão humana. Riremos de um chapéu, mas no caso, o cômico não será um pedaço de feltro ou palha, senão a forma que alguém lhe deu, o molde da fantasia humana que ele assumiu. Como é possível que fato tão importante, em sua simplicidade, não tenha merecido atenção mais acurada dos filósofos? Já se definiu o homem como “um animal que ri”. Poderia também ter sido definido como um animal que faz rir, pois se outro animal o conseguisse, ou algum objeto inanimado, seria por semelhança com o homem, pela característica impressa pelo homem ou pelo uso que o homem dele faz.” (BERGSON, p.7)
             Obrigado e atue firme sobre sua própria vida, construa todos os seus sonhos, busque agir com ética, lembre-se que essa só é possível se você exercitar sua liberdade. Obrigado ao fazedor de texto, por ter escrito “O espetáculo do mundo”. E lembre-se do que Paul Veyne disse: “A verdade é um castelo que construímos para satisfazer nossas vontades”. Então, não temos para quê impor as nossas verdades a ninguém, pois assim, nos ensinara Antônio Block, mesmo sem saber, a reinterpretar Paul Veyne.



Claudio Wagner
Poeta, professor historiador, Cientista das Religiões, 1º Secretário da SPVA/RN e autor do livro Entre a Sombra da Razão e a Razão da Sombra.
 





Referencia:
BERGSON, Henri, O Riso, ensaios sobre a significação do cômico. Rio de Janeiro, Zahar Editores S/A, 1983.
GIROTTO, Angelo, O espetáculo do mundo. Natal-RN, CJA Edições, 2015.
JUNG, Carl Gustav, Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986.
VEYNE, P. Humanistas: romanos e não romanos. In: GIARDINA, A.(Org.) O homem romano, Lisboa : Presença, 1991. Extraído de: BELTRÃO, Claudia e DEVIDSON, Jorge, História Antiga v.2, Rio de Janeiro: Fundação CECIERI, 2010.
SOUZA, Roberto Acízelo de. Teoria da literatura. São Paulo: Ática, 1995.



2 comentários:

  1. Gostei da profundidade da pesquisa na qual sustenta a resenha. Muito bem articulada do início à sua excelente conclusão. Parabéns e obrigada.

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