RUA
DESCALÇA...
Quando adentrei pelas portas da percepção
dei de cara com a Esfinge que me interpelou: DECIFRA-ME OU DEVORO-TE!
De pronto respondi: Teu segredo é poesia! Pura, simples e bela
poesia. E o ser mitológico sumiu de minha frente e dei de cara com
esse belo livro que aqui lhes rabisco algo a respeito. Já no
fragmento que escolhi para nossa degustação, fica por demais
explicito que é a poesia o lugar de sermos decifrados, venham comigo
e tirem suas próprias conclusões:
Quem
Sou?!...
A
tarde envolta em dourado
esvai-me
languidamente no horizonte
escapulindo
lentamente da clareza abundante
que
esculpi os contornos precisos
das
formas que enchem a vida!
(p.32)
Ora,
não somos nós esse emaranhado de certezas e de dúvidas? Não somos
a composição de tardes, que vão se exaurindo, mas que em outros
dias voltam a se refazer, e somos certezas e dúvidas? Quem Sou?!
Pergunta a Poetisa.
E,
em Rua
descalça,
vamos encontrar uma rua bem nossa, pois quem não a tem em sua vida,
quem não reconhece, uma pelo menos, por onde o progresso não a
pavimentou, onde os paralelepípedos ainda não esconderam embaixo de
si a areia? Pode ser a Rua
descalça,
símbolo de um povo descalço, sem chinelos, sem tênis, sem os
sapatos que protejam os pés. Também sem direitos, sem moradia
digna, sem pão e sem amor. E é claro, e não menos importante, a
Rua
descalça,
como lembranças da infância de brincadeiras mil, onde corre tendo
contato com a areia e si religa ao divinal da natureza nua e crua.
Só
a poesia dá margem para essas interpretações, só a poesia
resignifica os absurdos, colocando esses em perfeita ordem. Só ela
mesma dá ao caos palavras organizadas, um cosmo lugar onde nossos
sonhos podem fincar moradia. Jania Souza trabalha essa poesia com
precisão milimétrica.
Na
marcha batida das interrogações e das certezas, a poesia segue a
nos devolver e tirar mundos. Na página 53, da caminhada leitura que
estamos a fazer em Rua
descalça,
temos a pergunta resposta: "Onde está o amor?!" Leia você
e me diga:
Pergunto:
- Onde está o amor?!....
Lá!
... Embaixo daquela ponte
Enrodilhado
bem no escuro,
tentando
entrever uma flor?!…
Sou
capaz de ouvir as palavras de baixo calão que você certamente
profere agora contra minha pessoa, ao mesmo tempo em que falas: Cadê
o restante do poema? Por quê esse embusteiro não o colocou na
íntegra para que possamos ver qual o sentido, qual lugar onde estará
o amor, já que a poetisa parece apontar, quando afirma: “Lá!”.
Porém, me desculpe, o convite aqui é para que você arregace as
mangas, saia de sua zona de conforto e vá a procura desse livro, que
saia na captura das obras dos autores potiguares. E com o livro de
Jania Souza, obvio que não seria diferente. Apenas descortino um
pouco da obra, o restante amigo, é com você.
Modifico
a pergunta da Esfinge por uma afirmação, aliás, intimação:
Decifre as belíssimas poesias que estão nas páginas (mundos) de
Rua descalça... ou viva pagando o preço eterno de passar por essa
vida e nunca ter experimentado algo tão singelamente
efêmero-e-eterno na mesma intensidade.
Claudio Wagner
Poeta,
professor historiador, Cientista das Religiões, 1º Secretário da
SPVA/RN e autor do livro Entre
a Sombra da Razão e a Razão da Sombra.
REFERÊNCIA
SOUZA,
Jania. Rua
descalça...Recife-PE, Edições Bagaço, 2017.
Amei, Cláudio Wagner! Minha gratidão. Gosto da forma como você articula a sua argumentação. A esfinge foi o grande chamariz para a atenção do leitor sobre o conteúdo. Já li outros trabalhos seus e venho encantando-me a cada nova edição. Meu aplauso.
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